Entrevista para Revista Áudio, Musica e Tecnologia – Abril de 2000

Poesia, canção, acordes e dois sotaques diferentes. Lado a lado, os textos introvertidos do português Fernando Pessoa e os versos efusivos do espanhol Garcia Lorca.

Um Certo Olhar – Pessoa e Lorca“, de Raul Cortez, é assim puro lirismo. com a direcao de José Possi Neto, o espetáculo traz a participação de dois músicos em cena, César Assolant (também o diretor musical) e Marcus Vinícius “Penna”.

Ainda como destaque, uma programação detalhista do sistema de operação de áudio sob o controle do técnico Ernani Napolitano.

Tudo para seguir o seguir o clima da peça, totalmente intimista. Foi com ele que conversamos a respeito de teatro. nuanças especiais, setup de equipamentos, excursões etc.

Em teatro. você tem que criar para o público situações diversas, ser bem artístico. Enfim,”andando junto’, você precisa sentir o que o ator está sentindo”, explica Ernani. Nestes momentos, até a técnica se rende (um pouco que seja!) à emoção.

Sob “Um Certo Olhar”

Como Destaque, Microfonação e Efeitos Sonoros

por Cintia Laport

Ano XI - Revista Áudio, Música e Tecnologia - edição Nº 103 - abril de 2000
ADAPTANDO O RIDER

M&T: Conte como foi o início da montagem da peça.

Ernani: A intenção, logo de início, era viajar com o espetáculo. Desta forma, nossa maior dificuldade seria conseguir a mesma qualidade sonora conseguida no Alpha Real. em São Paulo – o teatro escolhido para a nossa estreia. Lá. nós tínhamos um equipamento top de linha, só que depois precisaríamos fazer Maringá, uma turnê pelos SESCs do interior de São Paulo etc. Só para você ter uma ideia, em alguns lugares, seria uma apresentação a cada dia em cinco dias seguidos. A solução encontrada foi definir um setup básico de equipamentos que conseguisse adaptá-lo a qualquer tipo de espaço – desde espaços para 200 até 1600 pessoas.

M&T: E como vocês conseguiram o equipamento nas cidades?

Ernani: O equipamento não viajava conosco, sempre era locado. Através do meu rider, eu entrava em contato com os donos de empresas para pode adequar à realidade deles. Em alguns lugares, por exemplo, eu precisei trabalhar quase o dia inteiro para deixar o equipamento falando. Assim como eu cheguei em lugares onde só foi preciso abrir o equipamento e trabalhar.

Ernani: Em ginásios, por exemplo, eu achava complicado trabalhar. Principalmente, pelo fato de ser uma peça bem intimista chela de efeitos sonoros e nuanças. inclusive das transições entre o texto do Raul e os momentos em que ele está cantando. Uma transição que precisa ser feita, de tal maneira, que o público realmente perceba que ele esta cantando, que os músicos estão tocando etc.. Neste caso. uma pressão sonora maior do que a utilizada no texto se faz necessária para que, no momento em que ele volte ao texto tudo já tenha sumido.

M&T: Como o seu rider é construido?

Ernani: Ele é composto por um mixer de 24 canais, três racks de efeitos, três vias de monitoração dentro do palco, além de dois P.A.s que me dêem, pelo menos, 85 DB de pressão sonora com qualidade.

M&T: Quais as diferenças entre realizar a operação sonora de um show e uma peáa de teatro?

Ernani: Em show, você precisa ter uma qualidade sonora e uma pressão estupenda para que o público possa ser atingido. Já em teatro, você precisa seguir o autor. No meu caso, eu vou junto com o Raul. Assim, o nível da voz dele vai subindo conforme a tensão que eu tenho da peça, sempre conforme a dramaticidade dada ao tema. Em teatro, você tem que criar para o público situações diversas, ser bem artístico. Enfim, ‘andando junto’, você precisa sentir o que o ator está sentindo. Há dias em que a voz dele esta maravilhosa e a minha funcão é apenas somar. Em outros, no entanto, eu preciso mesmo reforçar porque ele chegou cansado no teatro. A minha função é sempre deixar agradável para ele, e um dos meus aliados tem sido o diretor musical César Assolant. Os músicos acabam ‘quebrando o galho’ para me falar se o som esta muito alto. grave, baixo etc. É um bate-bola bem legal durante o espetáculo.

M&T: Como se dá a captação da voz do Raul?

Ernani: Nós somos patrocina-dos pela Sennheiser, e a SK Audio forneceu todo o equipamento para nós. O Raul está usando um sistema sem fio chamado SK300 e um microfone da linha MKE2. E, por incrível que pareça, os músicos usam tanto para o violino como para o violão os mesmos MK2 – uma cápsula omnidirecional, flat e bem sensível. Para o cajon eu uso um E604, série Evolution, da Sennheiser. Assim, nos momentos em que o Raul está cantando próximo aos músicos, a mistura da sua voz com a captação dos instrumentos acaba formando um conjunto bem interessante. Uma sonoridade perfeita para este tipo de cena – uma dança flamenca. O engraçado é que muitas pessoas saem daqui jurando que não existem microfones. Nos arrumamos uma maneira de coloca-os atras da orelha do.Raul e eles acabam não aparecendo, se contundindo muito com o cabelo

ESPAÇO ABERTO PARA EXPERIMENTAÇÕES

M&T: Devido ao fato de o teatro ser bem detalhista. os ensaios precisam ser ainda mais cuidadosos, não?

Ernani: Claro que sim. Como são muitas nuanças diferentes, nos passamos as três musicas do espetáculo todos os dias. Eu taço questão disto! Até mesmo para que o Raul possa aquecer a voz e já entre no palco com a certeza de que tudo vai estar do jeito que ele preferir. Além do mais, ainda existem algumas questões específicas que variam de acordo com o local da apresentação. Como a que diz respeito à temperatura. por exemplo.

M&T: Existem efeitos especiais durante o espetáculo?

Ernani: Sim. Em certos momentos, os próprios músicos são encarregados de pequenas sonoplastias. Em uma das cenas. estamos em uma floresta e eles soltam o som de uns apitos, uns pica-paus, patos etc.. Em outra, e a vez de uma abelha ser feita por um violino e, depois, ouvimos passos de um caracol (também feitos pelos músicos). O objetivo é estabelecer um clima agradável dentro da sala para que o público possa “entrar” na cena, que se envolva

M&T: Há variação de mixagem de uma música para a outra?

Ernani: Ha sim – em termos de nível de voz e nível de efeito. Há ainda o caso de uma musica em plavback (uma orquestra que e colocada entre Os músicos). Neste caso. trabalhamos com três parâmetros: a voz. os músicos e a orquestra – de uma maneira que o público sinta que, realmente, tudo aquilo esta sendo cantado e possa ser ouvido em um nível sempre agradável. É o que nós sempre dize mos – se o publico se envolve a gente ganha a noite!

M&T: Houve muita variação entre as excursões?

Ernani: No final do ano de 1999, nós estivemos presentes no Festival do P.O.N.T.I., em Portugal, e lá o equipamento era maravilhoso – com um sistema todo Meyer Sound e surround. Diante daquilo tudo, eu disse ao diretor (José Possi Neto) que alguns daqueles equipamentos poderiam ser utilizados para incrementar a peça. Ele, em princípio, ficou com um pé atrás mas acabou nos deixando experimentar. No final, ele adorou o resultado. O legal do teatro é o fato de ele ser bastante mutável e estar livre para novas idéias.

M&T: Como é feito o controle das cenas?

Ernani: Tudo fica na minha mão. A entrada de músicos, assim como todos os efeitos, entra fade in e sai fade out já que a dinâmica é muito grande. As únicas exceções ficam por conta da voz do Raul e o instrumento de percussão (o cajon), que são os canais onde eu uso um compressor. Fiz esta opção devido às inúmeras vezes em que o ator excedia tanto a voz que chegava à distorção. Mas, é claro, que cada dia é único e vai ser diferente do outro.

M&T: E as caixas?

Ernani: Para o público, eu tenho duas SX 200 e um sub-grave, da EV, colocadas nas laterais do palco na linha do proscênio. De monitoração. eu uso uma via de front na frente do palco para o Raul, duas vias atras do cenário (que me ajudam com alguns efeitos vindos de dentro do palco para o público) e uma terceira via que é uma caixa só para os músicos (na qual, no entanto, eles não ouvem os instrumentos). Nenhum dos instrumentos é amplificado dentro do palco, e esta caixa acaba sendo apenas para trilha e a voz do ator. Uma particularidade aqui é o fato do Raul nunca ter usado antes um microfone e, no início, tivemos o problema de fazê-lo se acostumar a ele. Achava estranha a sua voz amplificada. O que tivemos que fazer foi tentar encontrar uma qualidade sonora na qual ele se sentisse confortável, mas que também não poupasse o publico de ouvir aquela sua mesma voz da TV. Para isto, o segredo foi usar um canal separado só para fazer a voz dele para o publico.

M&T: Algum truque, algo diferente?

Ernani: Eu utilizei alguns efeitos de ambientação para a voz durante as músicas. Justamente nos momentos nos quais os músicos fazem o trabalho de sonoplastia. Também trouxe para cá algumas experiências de estudio e shows ao vivo como, por exemplo atraso de voz, delays e PA atrasado em relação ao palco (buscando uma sensação de que a voz venha de dentro para fora). Mas nem sempre podemos fazer tudo já que, às vezes, a própria sala não ajuda. Além disso, no final da peça também há um outro momento cheio de efeitos sonoros – quando o texto, músicos, trilha e luz acabam todos juntos.

Relação de Equipamento

  • 01 mesa de mixagem Mackie 3204;
  • 01 filtro de AC Furman;
  • 03 equalizadores Yamaha 2031;
  • 01 equalizador e analizador Behringer;
  • 02 compressores dbx 166;
  • 01 gate Behringer;
  • 02 processadores digitais de efeito SPX 990
  • 01 processador digital de efeito Lexicon MPX 1;
  • 05 caixas de monitor ElectroVoice FM 1502;
  • 04 caixas ElectroVoice SX200;
  • 02 caixas ElectroVoice S-181 Subwoofers;
  • 03 amplificadores Yamaha;
  • 01 amplificador Crest Audio CA6;
UI crossover Bos;
  • 03 microfones Sennheiser lapela UHF;
  • 01 microfone Sennheiser MD 421;
  • 01  microfone Shure SM58.

Input List

  • (canal 1 e 2) Sennheiser MKE2 / insert compressor ou equalizador/ sistema de transmissão e recepção sem fio modelo SET 1083 (voz do Raul);
  • (canal 3 e 4) Sennheiser MKE3-60 (bandolim e violino);
  • (canal 5) Sennheiser E604 / insert: compressor (cajon);
  • (canal 6) Sennheiser MKE2-60 (violão);
  • (canal 7) efeito I L;
  • (canal 8) efeito I R;
  • (canal 9) efeito II L:
  • (canal 10) efeito II R;
  • (canal 11) efeito III L;
  • (canal 12) efeito III R
  • (canal 13) CD player I L;
  • (canal 14) CD player I R;
  • (canal 15) CD player II L;
  • (canal 16) CD player II R;

 

Espetáculo “Um Certo Olhar – Pessoa e Lorca”
Raul Cortez e José Possi Neto.

FICHA TÉCNICA:

Atuação, Tradução e Adaptação: Raul Cortez / Direção, Cenário e Luz: José Possi Neto / Consultoria Literária: Marília Librandi Rocha / Músicos: César Assolant e Marcus Vinícius “Penna” / Direção Musical: César Assolant / Direção de Produção: João Federici / Figurino: Ricardo Almeida / Preparação Vocal: Tânia Amorim / Personal Press: Idéias & Ideais / Assistente de Direção: Ronaldo Vianna / Direção de Palco: Alexandre Torres / Técnico de Sonoplastia: Ernani Napolitano / Técnico de Iluminação: Fábio Retti / Camareira: Ruth Aprígio